Teatro Virgínia: Pés na Terra - Cabeça d’Aire

Professora, pintora, autarca do BE na Câmara Municipal de Torres Novas

Seria lamentável não aproveitar esta circunstância de limbo programático do Teatro Virgínia, como uma oportunidade de ousar dignificar a cidade a partir do que nos é genuíno, capacitando e mobilizando a população, aproveitando o que nos ensina a oferta cultural diversificada e assim potenciar a curiosidade, a possibilidade formativa, a fruição de espetáculos de qualidade artística e narrativa, num exercício de pensamento crítico.

Não sem algum dramatismo associado, cuja avaliação e análise seria interessante verificar, a saída de cena, da programação do Teatro Virgínia, pelo programador Rui Sena, vem colocar algumas dúvidas que poderão todavia, permitir uma importante reflexão que nos possibilite entender não apenas “o que” se perspetiva para este espaço, mas “como” se entende que deve ser a sua filosofia de atuação, numa leitura cultural integrada do e para o Concelho de Torres Novas.

No sentido de cumprir com os propósitos enunciados do teatro Virgínia, no que respeita à sua missão, temos a ideia perfeitamente legítima, de que existem exemplos ímpares no nosso País, alguns dos quais muito próximos da nossa região, que poderiam servir de inspiração positiva para fazer o exercício de pensar a estratégia cultural, educacional e social, que deveria acompanhar a raiz de uma visão política para o Teatro Virgínia. Paralelamente, seria importante retirar também algumas conclusões em relação ao exercício programático da sua história recente. Porém, será agora fundamental lançar algumas considerações para a redefinição de uma estratégia cultural com a dinâmica que desejamos, que permita estruturar e impulsionar significativamente a atuação do Teatro Virgínia.

Em primeiro lugar, largar o pressuposto da “excelência” e do “topo de gama” para uma lógica de “coesão territorial” dinâmica, onde a determinação para participar e contribuir para a divulgação de atividades criativas e culturais, assim como dos seus agentes, permita agregar as sinergias do concelho, trazendo para a agenda uma leitura contemporânea desses registos que nos identificam. Independentemente do formato de gestão se basear na pessoa de um/a programador/a ou de uma equipa, seria importante acompanhar algumas dinâmicas culturais que privilegiam 3 eixos específicos de intervenção interligada.

  1.  “Pés na Terra” - considerando a genética do concelho, assim como as suas lógicas de produção, fruição e pensamento, reforçar o exercício de estabelecer redes de cooperação, já preconizada com Tiago Guedes, catalisando os espaços de identidade, dinâmicas culturais, instituições, associações, escolas, comércio e indústria, envolvendo as próprias pessoas e permitindo uma leitura cultural integrada. Uma estratégia de maior envolvimento e participação da comunidade na vida cultural do Município mobiliza repercussões a nível social, educacional e cultural, através da dinamização da vertente formativa necessária à agregação de públicos, na criação de alternativas promocionais com os agentes residentes, assim como no acesso à informação privilegiada. Para o efeito, seria importante privilegiar uma coordenação capaz de assegurar a gestão e planificação atempada, envolvendo neste processo também a comunidade, inibindo práticas de competitividade entre as organizações culturais e a realizações de atividades culturais sobrepostas, como aliás, se tem verificado.
  2. Acessibilidade cultural – Ser vigilante relativamente à tendência de hierarquizar a oferta cultural de forma bipolar como arte maior ou arte menor, permitindo o acesso a públicos de sensibilidades distintas. Nesse sentido, a oferta de cariz contemporânea é determinante, reconhecendo o papel que desempenham os espetáculos regionais, nacionais e internacionais, no acesso a uma cultura global. É fundamental fazer do palco do Teatro Virgínia o espaço de oportunidade de autores, artistas, bandas, companhias, entre outras performances, permitindo o acesso a um diversificado leque de intervenções e de leituras, percebendo o espaço da oportunidade;
  3. Cabeça d’Aire - Projeto Virgínia – Desenvolver de forma coerente um projeto capaz de ligar a história com as estórias e com as novidades que emergem no panorama cultural, arriscando trabalhar dentro de formatos estáveis para lançar possíveis instabilidades criativas, como sair do edifício de forma tentacular e lançar-se a outros lugares reforçando a estrutura existente. Nesse sentido, é fundamental circunscrever à dinâmica programática, o envolvimento da resposta dos laboratórios educativos de teatro, da perfomatividade, da música, da dança, das residências artísticas, nos protocolos com as instituições, atividades e projetos locais, nacionais e transnacionais. Inventar palcos experimentais, permitir o surgimento de novos autores, alimentando uma boa dose de observação, iniciativa, vitalidade e dinâmica, fundamental para contornar uma prática que se tornou conformada em “pacotes de cultura”, cuja dimensão poucos sabem, alguns usufruem, mas que muitos apregoam, como as denominadas “cidades criativas” e afins.

Seria lamentável não aproveitar esta circunstância de limbo programático do Teatro Virgínia, como uma oportunidade de ousar dignificar a cidade a partir do que nos é genuíno, capacitando e mobilizando a população, aproveitando o que nos ensina a oferta cultural diversificada e assim potenciar a curiosidade, a possibilidade formativa, a fruição de espetáculos de qualidade artística e narrativa, num exercício de pensamento crítico.

Com os pés na terra, aceder à diversidade cultural com espetáculos de reconhecida qualidade e fomentar a sua fruição, experimentação e dinâmica formativa. É pelo envolvimento das pessoas que se faz a estruturação e dinamização de públicos, além de impulsionar o seu próprio ritmo e processo de viver a cultura local, democratizando o acesso à cultura. É também através da perceção da realidade local e com pensamento além, que vale a pena ganhar o horizonte.