Algumas razões me levam a Maio e ao seu sopro. O povo, a rua, a liberdade. Não sacralizo só o trabalho, a sua dignidade, os seus direitos. Há mais, que só o colectivo dos povos pode soerguer na sua caminhada: a igualdade na educação, na saúde, a defesa do planeta, o respeito pelo outro, essencial ao respeito por si mesmo. O rosto do igual na terra que ressuscita da longa morte do inverno e se abre e frutifica, no parto visceral da reprodução da vida.
O esforço que produz o pão e o conduto, o cansaço e o lazer. Nunca foi fácil, nem garantido, após a sua conquista, o tempo do usufruto, que só no estar atento, na defesa, na denúncia dos que, em nome dos seus interesses disfarçados em princípios de justiça e de conceitos aparentemente democráticos, colhem os frutos do que o povo, nas suas múltiplas profissões, transforma em novas conquistas para um tempo de menos injustiça e iníqua desigualdade.
A cada povo cabe a defesa do seu tempo, raiz dos tempos que outros estruturarão, se a memória não ceder ante os apelos da defesa dos direitos que uns empalmam pela desigualdade do acesso aos bens, ao trabalho, à qualidade de vida, ao simples direito ao ar que se respira. A rua é o seu templo, o local das vozes e da construção dos sonhos, das utopias transformadas em conquistas sociais, em formas de mostrar que há outras palavras interditas onde a vida é fonte apta a matar a sede da humanidade plena na sua identidade planetária.
Maio foi, no seu primeiro dia, por lutas históricas e sangrentas, o símbolo de que o sangue derramado exige diálogo ou confronto, doação da vida, que nenhuma conquista social que confira mais igualdade aos direitos democráticos se atinge sem combate e sacrifício.
O mundo será ou não será o que nele acrescentarmos ou virarmos a cara. O local amado ou a devastação sem freio. O amor pelo outro, pelo igual no género, pela defesa dos oprimidos e explorados, pela descolonização e pela aproximação da qualidade de vida e de progresso nas diversas civilizações. Compete-nos a nós, hoje, quando se desfreiam no mundo novas bestas tão antigas na defesa dos privilégios e das escravaturas mais cruéis e desumanas, travar-lhes, como outrora, o seu furor de vampiros à solta em explosões de carnagem.
Desse dia de Maio me sirvo, porque é preciso a rua, para o indivíduo consciente de que é povo. E nesse dia simbólico da voz de quem trabalha, de quem estuda, de quem escreve, de quem crê que o futuro está no que constrói, eu acredito e sinto-o no sangue como uma palavra quente, vívida, colectiva, única na sua diferença e multiplicidade.
A luta continua.
António Mário Lopes dos Santos
Abril/29/2019