Exames Nacionais – outro modelo

Professora, pintora, autarca do BE na Câmara Municipal de Torres Novas

A educação obrigatória para todos e todas é demasiado rica para ser confinada a um logaritmo estatístico, determinante para a vida dos e das estudantes, para os ritmos e ciclos das escolas e para as vivências das famílias

A educação para todos, consagrada como primeiro objetivo mundial da UNESCO, obriga à consideração da diversidade e da complexidade como fatores a ter em conta ao definir o que se pretende para a aprendizagem dos alunos à saída dos 12 anos da escolaridade obrigatória. A referência a um perfil não visa, porém, qualquer tentativa uniformizadora, mas sim criar um quadro de referência que pressuponha a liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si próprio, a inserção familiar e comunitária e a participação na sociedade que nos rodeia. Perante os outros e a diversidade do mundo, a mudança e a incerteza, importa criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico. Trata-se de formar pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos ativos.

(Prefácio do Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, pp.5, 2018).

Defendo, há largo tempo, um modelo de acesso ao Ensino Superior por apresentação de Portefólio individual e entrevista realizada pela e na Instituição de Ensino de acolhimento. Seria um modelo mais equitativo e menos exigente para o sistema, além de retirar a influência estranha, provocada pelo formato em que se realizam os exames nacionais. O modelo tradicional tem sido objeto de várias observações, não só pelo impacto que exerce nas classificações obtidas, que determinam o acesso ao Ensino Superior, como também por expressar formas redutoras de entender a educação em final de ciclo de estudos. Outro modelo é necessário com características formais e de pensamento mais expressivas de uma realidade interessante e saudável. Acredito que, dadas as circunstâncias, se deveria rever com rigor, exigência, inspiração e coragem, outra solução que aponte para uma sociedade mais humanista com reflexo na formação integral e plena dos e das estudantes. Está visto que precisamos de um novo modelo social e não conseguiremos lá chegar usando sempre as mesmas soluções (a propósito da tomada de posição do Conselho Pedagógico da Escola Secundária de Camões).

Considerando que a aprendizagem se manifesta essencialmente, através da persistência e do método, designadamente por disciplina e, se consolida pela prática da experimentação e pesquisa - aprendemos aquilo que experimentamos - é necessário entender, que realidade social se reproduz através do atual modelo de Exames Nacionais, que deveria corresponder por sua vez, às estratégias nacionais para a educação. Considerando também o abismo entre aquilo que se avalia no final Ensino Secundário, através dos Exames Nacionais e as exigências da experiência educativa e formativa do Ensino Superior, podemos colocar as seguintes questões:

  1. Método - Determinou-se, ao nível da União Europeia e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico que, entre 2020-2030 as competências mais relevantes para uma vida ativa seriam o pensamento crítico, a resolução de problemas complexos, a criatividade, a coordenação com pessoas e a gestão de equipas. Nesse sentido, têm convergido as diretivas do Ministério da Educação, sustentadas na estrutura do documento estratégico “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”. Este documento propõe a aquisição de conhecimentos e competências-chave, fundamentais para a vida ativa, no desenvolvimento do pensamento crítico, criatividade, resolução de problemas, capacidade de decisão, comunicação, colaboração, literacia no uso da informação, responsabilidade pessoal, competências reveladas à saída da escolaridade obrigatória. Porém, apontando numa orientação distinta, não é estranho constatar-se consecutivamente, que a elaboração dos exames nacionais privilegie essencialmente a memorização? Acresce que a modalidade em vigor determina a seleção de temas e orienta as práticas de ensino para a resolução de exercícios de exame, além de promover a concorrência no escrutínio entre estudantes e escolas com contextos distintos. Ora, o que resulta desta experiência, não é afinal, o afastamento da prática educativa do conhecimento ativo, da resolução de problemas complexos, do aprofundamento do pensamento crítico e demais competências colaborativas preconizadas pelo novo paradigma que está a ser implementado nas escolas do ensino básico e secundário? Não é afinal, a aplicação do atual modelo de exames, uma metodologia que nos afasta do que se defende e espera para a Educação do séc. XXI?
  2. Experiência - Como se não bastasse, numa lógica de que se aprende fundamentalmente, através da experiência que se vive, acresce que a logística e a encenação associada à realização de provas de exame nacional, sujeita toda a comunidade escolar a uma atividade esquizóide, de controlo, poder e submissão. Desde a distribuição, gestão, monitorização e aplicação, recolha, avaliação e comparação de rankins, todo o modelo prefigura uma experiência social e educacional reprodutiva de formas de subserviência, sobrevivência, alienação e logro, que espelham paradigmas de viver em sociedade de forma humanamente pouco saudável. Que papel desempenha afinal, a aplicação do modelo tradicional de exames nacionais de final de ciclo, na configuração da sociedade que queremos e, que perfil de cidadãos e cidadãs estamos afinal a sugerir?
  3. Sentido – Numa lógica de acesso ao Ensino Superior equitativa e justa, não seria mais sábio, à semelhança do que já se pratica para admissão a mestrados e doutoramentos, devolver às Instituições de Ensino Superior, a resolução da descriminação sobre quem aceitam ou não, através de entrevistas individuais e de apresentação de portefólio por parte de candidatos e candidatas? 

A formulação desta última questão deve ser equacionada, cabendo ao Ensino Secundário, via de ensino ou profissional, o acompanhamento por professores que seriam os “mentores” dos candidatos e candidatas na elaboração dos seus portefólios individuais.

Esta seria uma estratégia mais autêntica, mais próxima da realidade e promotora de práticas transformadoras de educação, cujo enfoque é designado no conjunto dos últimos documentos de referência para a organização de todo o sistema educativo e que têm ocupado a vida das escolas, desde a flexibilidade, articulação, inclusão, colaboração e cidadania, expressas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado pelo Despacho n.º 6478/2017, 26 de julho.

Do ponto de vista material, esta modalidade traria consideráveis benefícios pela redução relevante de recursos pessoais e materiais alocados.

A educação obrigatória para todos e todas é demasiado rica para ser confinada a um logaritmo estatístico, determinante para a vida dos e das estudantes, para os ritmos e ciclos das escolas e para as vivências das famílias. Além disso, testar e avaliar com validade e fiabilidade as aprendizagens deve prever o propósito e o sentido dessas aprendizagens.

As circunstâncias de confinamento, a propósito da atual crise pandémica, vivenciada em todo o mundo, obrigam a rever os propósitos destas construções sociais pré-determinadas, nomeadamente em relação à justiça de um acesso ao Ensino Superior que os alunos e alunas merecem, numa prática de igual merecido respeito por todos os professores e professoras, pelas escolas e pelas famílias. Faria todo o sentido aplicar um modelo, como o enunciado, nas atuais circunstâncias retirando, desde já, às escolas e a sociedade, a obrigação de montar um cenário que se prevê pouco sensato e menos justo para os envolvidos, além de permitir pensar com alguns meses de antecedência, a aplicação da modalidade sugerida.

Depois de tanta controvérsia, que coloca o atual modelo de Exames Nacionais como um problema é tempo de pensar e experimentar outras soluções. Este é o tempo dessas soluções.