O quotidiano e as reuniões de Câmara

Engenheiro, membro da Concelhia BE de Torres Novas, autarca

A forma de trabalhar está montada para que, quem está no poder, permaneça.

Muitos daqueles que pertencem ao meu círculo de amigos, não se interessam por política. Aliás, fazem questão de não se interessar e eu entendo perfeitamente o porquê.

Primeiro, a linguagem e os termos técnicos chegam a ser inacessíveis. Segundo, acham todo o processo feio, principalmente quando envolve trocas de galhardetes que resultam em espetáculos de vergonha alheia. E por último, não reconhecem a importância ou influência da política local na sua vida. Não por falta de interesse mas porque é difícil relacionar aquilo que acontece nas reuniões com o nosso quotidiano.

Os soundbites são o que sobram e reverberam pelas redes sociais.

Para quem faz parte da vida política, resulta uma frustração por dedicar o seu tempo pessoal a uma causa que, além de não ser reconhecida, é ativamente desprezada.

As reuniões de câmara, que são as que conheço melhor, funcionam como autênticos sprints de leitura para a oposição que não tem pelouros.

Imaginem ter 1400 páginas para ler em quatro dias, tendo, ao mesmo tempo, o vosso emprego, a vossa família, um fim de semana pelo meio e quererem dar uma resposta digna, apresentar propostas e preparar o debate.

Chegado o dia da reunião, vão sair do vosso trabalho antes da hora após informar o vosso empregador o propósito, são mal vistos por fazê-lo e ainda chegam com a cabeça a mil.

Alguém acredita que se consiga fazer isto tudo, repetidamente durante quatro anos, apresentando, sucessivamente, propostas novas, alterações aos documentos e reivindicando os interesses dos eleitores? Eu tenho visto ser feito mas representa um desgaste enorme.

A forma de trabalhar está montada para que, quem está no poder, permaneça. É um problema que vai muito além de Torres Novas.

Ainda assim, aqui no concelho, a vontade de fazer diferente por parte do partido do poder é inexistente.

Continuam a chegar às reuniões documentos que já têm dois anos para depois serem validados em 4 dias. Quem tem pelouro, tem dois anos para acompanhar um processo que os vereadores da oposição terão umas horas para apreciar.

Independentemente da posição sobre o conteúdo do documento, podemos votá-lo em consciência? Na última reunião, a vereadora do Bloco recusou-se a votar. Da minha parte, quero dar-lhe os parabéns pela sua coragem. Há que pôr fim aos abusos e lutar pela verdadeira democracia. Uma boa semana.

Crónica quinzenal, às 2as. feiras, na Torres Novas FM