Ponto Antes da Ordem do Dia - Despedida de Rui Alves Vieira, 23 de Setembro de 2025
Hoje concluímos um ciclo de gestão autárquica composto por três círculos concêntricos e que, por isso, representam um conjunto que partilha o mesmo centro e não podem ser desligados uns dos outros
Primeiro, temos um círculo mais alargado 32 anos que começou com a gestão de António Rodrigues eleito pela primeira vez em 1993.
Um segundo círculo mais pequeno de 12 anos que teve início em 2013 com a primeira eleição de Pedro Ferreira e que está agora a terminar
Um terceiro círculo composto pelos últimos 4 anos da gestão de Pedro Ferreira.
Este ciclo autárquico de 32 anos geriu verbas superiores a mil milhões de euros e creio que é legítimo afirmar que nunca houve na história do municipalismo português, tanto dinheiro disponível para as autarquias como nos últimos 30 anos.
Torres Novas, como muitas outras autarquias por esse Portugal fora, geriu a cidade e o concelho ao ritmo dos fundos comunitários e, muitas vezes, não prestou atenção às pequenas coisas que são de facto, uma razão primordial para a construção da nossa comunidade torrejana.
Obviamente que houve coisas bem feitas e prioridades bem definidas. Mas houve outras tantas batalhas perdidas que, em última análise limitam a capacidade de motivação e mobilização do nosso espírito comunitário.
Estes tempos de dinheiro relativamente fácil não irão continuar: em 2026 acaba a bazuca e com o alargamento da União Europeia previsto para 2028 a redução dos fundos de coesão é inevitável.
Mas teremos que continuar a enfrenta os desafios que este ciclo autárquico não conseguiu resolver.
Não ganhamos a batalha da reabilitação e do repovoamento do CH ou das aldeias
Sim, é certo que tem havido investimentos privados no aglomerado urbano do CH de Torres Novas. Mas também é certo que a quantidade de ruínas existentes, continua a ser a “marca de água” do nosso CH.
Já as aldeias, nunca foram beneficiárias de uma atenção mais cuidada com vista à sua reabilitação e repovoamento.
Não ganhamos a batalha do comércio local
Quem caminha pelo CH encontra cerca de 25% dos espaços comerciais devolutos e os que existem não têm a força necessária para ancorar a nossa vida comunitária. Se a isso juntarmos o abandono a que o Mercado Municipal foi votado, temos uma cidade amputada.
Muito mais do que Bairros Digitais, considero que precisamos de comunidade. E é por isso que, a aposta nos Bairros digitais é uma aposta em construir a casa pelo telhado. Porque é muito mais fácil, rápido e imediatista comprar um bairro digital do que construir e alimentar uma comunidade.
Não ganhamos a batalha da defesa do património histórico e, em particular no CH.
A preservação da nossa história torna todo o concelho mais torrejano e ajuda a criar espírito comunitário.
-- O Painel de Gil Pais obra do final da década de 30 do século passado da autoria de Jorge Colaço (o mesmo que leva milhares de turistas à estação de São Bento no Porto para ver a sua obra), continua alegremente a degradar-se, contrariando a Recomendação de especialistas da obra do artista que deu origem a uma Recomendação do BE aprovada nesta AM e nunca cumprida
-- Os painéis de azulejo na parede de suporte do largo do Paço (da já extinta fábrica Aleluia) também do final da década de 30 do século passado e identitários de várias gerações de torrejanos, encontram-se num lamentável estado de degradação.
-- A Fonte do Largo de Valverde, um dos mais antigos vestígios da nossa História, de que resta apenas o paramento com uma bica e onde está representado o escudo característico do reinado de D. Manuel, foi vetada ao total abandono e até a placa em bronze evocativa das “Memórias da História” desapareceu.
-- O Museu etnográfico é uma miragem e uma boa parte do seu espólio está abandonado num local sem quaisquer condições de adequada preservação.
-- A preservação e requalificação dos moinhos do Rio Almonda, e, em particular o Moinho dos Gafos junto ao Mercado Municipal, que são elos de união geracionais das nossas comunidades e mereciam ter tido uma atenção que nunca lhes foi conferida.
-- E, num contexto mais singelo, há ainda a placa evocativa da casa onde nasceu a atriz Virgínia na Rua Alexandre Herculano que merecia outra dignidade
Não ganhamos a batalha do ambiente urbano e da mobilidade suave
Apesar das alterações de paradigma, as fórmulas para circular de carro ou circular a pé na cidade, continuam as mesmas de há mais de 20 anos e caminhar em muitos locais de Torres Novas, é um exercício difícil, desagradável e muitas vezes perigoso.
Os nossos poucos espaços verdes urbanos são mal-amados. Veja-se o jardim da Avenida João Martins de Azevedo ou o Jardim das Rosas sem Rosas ou mesmo os pequenos canteiros distribuídos em vários pontos da cidade onde em vez de flores temos ervas secas.
Os jardins da Avenida João Martins de Azevedo (Avenida Marginal) da autoria de Jacinto Matos um dos mais importantes paisagistas dos finais do século XIX e da primeira metade do século XX e autor de mais de 100 jardins urbanos em Portugal, são hoje uma triste imagem de desmazelo.
O Jardim das Rosas sem Rosas, que deveria ser o verdadeiro pulmão verde da cidade e uma margem privilegiada de contemplação do Rio Almonda, é um jardim que tem muito pouco de acolhedor. É um espaço descontínuo, malcuidado, onde entram anualmente 100 mil automóveis através da Rua de Trás os Muros e que serve diariamente de estacionamento a mais de 100 automóveis.
Não ganhamos a batalha do Rio Almonda
O Rio precisa de muito mais atenção técnica e política desde a sua nascente até à sua foz e, no seu percurso urbano, merecia uma atenção redobrada que, na realidade nunca existiu.
Não ganhamos a batalha da higiene urbana e recolha do lixo
A limpeza e higienização das nossa Ruas é deficiente e a recolha do lixo por todo o concelho é um problema estrutural que tende a agravar-se e necessita máxima atenção.
Tenho-me referido com mais insistência a CH e muitos dirão que TN é mais do que o CH. Mas é aqui que está o coração da comunidade e, quando o coração está doente toda a comunidade torrejana fica doente.
Mas há outros desafios com um grande nível de exigência que estão à nossa espera.
A Fábrica de Fiação e Tecidos, adquirida pelo Município em outubro de 2022 é cada vez mais o paradigma do abandono e até da insalubridade, arrastando consigo um dos trechos mais bonitos do Rio Almonda.
A Escola Artur Gonçalves será eventualmente reabilitada e a relocalização dos alunos que frequentam a instituição irá representar um significativo desafio num futuro próximo.
O Palácio dos Desportos Helena Sentieiro, onde chove todos os invernos, sofre de problemas crónicos e, de acordo com as palavras proferidas pelo Sr. Presidente da Câmara nesta AM, necessita de um investimento de cerca de 2 milhões de euros
A habitação pública com rendas acessíveis será certamente um dos grandes desafios que iremos enfrentar. Ao longo dos últimos anos e até à data de hoje, o Município colocou no mercado de aluguer duas únicas habitações no CH por proposta do BE e nos próximos meses espera-se que mais seis habitações sejam colocadas no mercado de arrendamento. Muito pouco para um problema tão grande e complexo.
O Conservatório de Música, proposta do BE para ocupação dos antigos Paços do Concelho, irá certamente trazer à nossa comunidade dinamismo e criatividade e um espaço de referência no domínio da educação e da cultura e deve ser considerado uma prioridade.
Nos últimos 30 anos, o projeto político do Município alimentou-se de fora para dentro, sobretudo com o setor terciário das grandes superfícies comerciais criando uma cidade que reflete os desequilíbrios dessa aposta.
A intervenção política pensa, muitas vezes, que as decisões que toma não são contra nada, são a favor de tudo e isso não é verdade!
A política tem que ter espírito crítico e a nobreza de admitir o erro!
Por isso, será preciso uma enorme capacidade de diálogo, rigor e transparência nas decisões políticas do próximo ciclo autárquico. E, se quisermos conquistar o futuro, precisamos de liberdade, cidadania e de uma sociedade civil forte.
Durante os 8 anos que tenho estado nesta AM, cumpri com dignidade, respeito e dedicação a função para o qual fui eleito. Fomos, algumas vezes, acusados de não tecermos muitos elogios à governação do PS. O nosso tempo é escasso de mais para elogios e esse não é o papel da oposição política. A nossa função é e continuará a ser, fazer uma análise crítica das propostas e a apresentação de alternativas que possam melhorar a vida das pessoas.
Foi neste contexto que nos últimos 4 anos, o BE apresentou 14 Recomendações à Câmara, fez 120 intervenções de fundo sobre diferentes pontos da agenda Municipal, e questionou formalmente a Câmara sobre diversos assuntos relevantes para a vida do Concelho em 15 ocasiões diferentes. Assim, podemos afirmar sem sobrancerias, que fomos merecedores de todos e cada um dos votos que nos foram confiados.
Para mim, agora é o momento de dar lugar aos mais novos e dizer-lhes para ficarem atentos às falsas verdades com que somos diariamente bombardeados e para não terem medo da democracia, porque com todos os seus erros e contradições este continua a ser o melhor espaço político da liberdade, da dignidade e da esperança por um mundo melhor.
E a todos digo: prestem atenção às coisas pequenas, porque a vida é feita de “pequenos nadas”.
Neste fim de ciclo, há quem vá e há quem volte; haverá quem vá e volte; eu não vou nem volto, mas enquanto houver estrada para andar irei certamente andar por aí.
Muito obrigado a todos e a todos desejo as maiores felicidades públicas e privadas.