Um cântico imenso

Antropologo, activista cultural, autarca do BE

O ano de 1968 acabaria com um acontecimento que havia de marcar uma geração: o célebre concerto de José Afonso nas Grutas de Lapas

Era o já longínquo ano de 1968. A Juventude Ecuménica Torrejana, dirigida pelo padre Manuel Tiago, reunia jovens católicos e outros, apenas amigos, sob as ondas agitadas de uma pastoral virada para a vida e para a transformação social. Por isso, aos encontros, aos convívios e debates, juntava-se também, na actividade do grupo, os campos de trabalho na aldeia da Rexaldia, facultando a jovens urbanos e arredados das situações concretas de vida do povo português, um contacto com a realidade rural da época, aquele Portugal esquecido e nesta altura a sofrer a hemorragia demográfica da emigração.

O ano de 1968 acabaria com um acontecimento que havia de marcar uma geração: o célebre concerto de José Afonso nas Grutas de Lapas, organizado justamente por esse grupo de jovens liderados por Manuel Tiago e com a ajuda de outro jovem padre, Amílcar Fialho. O ambiente mágico das grutas, o caracter semi-clandestino da organização do concerto, a emoção de ouvir-se ecoar a voz límpida e poderosa de José Afonso nos labirintos subterrâneos de Lapas, o encontro do já famoso músico com o jovem Francisco Fanhais, que também cantou, deram ao momento um simbolismo que continua a alimentar as memórias de todos quantos, naquele tempo e ainda hoje, continuam a sonhar com um mundo mais fraterno.

Era o dia 28 de Dezembro de 1968. Passam hoje exactamente 50 anos, meio século. José Afonso partiu mais cedo do que nós queríamos, tal como o grande cidadão que foi o padre Amílcar Fialho que, na sua aldeia, ajudou a construir aquele acontecimento extraordinário. Os que estamos, pensaremos neles por um momento: ambos, à sua maneira, quiseram levantar uma cidade sem muros e sem ameias. E é isso que nós queremos ainda hoje e queremos para o futuro.