AM - Descentralização em debate - Intervenção de António Gomes

"Se queremos que Portugal deixe de ser um dos países mais centralizados da Europa só temos uma coisa a fazer – cumprir a Constituição e Regionalizar. E depois tratar do nível supramunicipal e municipal."

"O compromisso do presidente de câmara, para com a Associação Nacional de Municípios, não obriga o PS a qualquer tipo de voto, os deputados devem sentir-se todos e todas livres."

Esta Assembleia Municipal é hoje chamada a decidir sobre se aceita ou não determinadas competências já no ano em curso. É isto que hoje está em causa.

A Lei da República que enquadra este processo (Lei 50/2018) – chamada de descentralização – é uma lei aprovada por 2 partidos – PS e PSD – nem sequer é uma Lei consensual na sociedade portuguesa e entre autarcas dos vários partidos ou de candidaturas independentes. Basta ler os jornais. Mesmo a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), embora tenha assinado acordo com o governo sobre os decretos-lei, tem vindo sucessivas vezes a público levantar dúvidas, colocar reticências, deixar alertas, …

O BE quer deixar clara a sua posição de principio contra esta lei e contra esta descentralização.

Somos a favor da descentralização, da verdadeira descentralização – não simplesmente da municipalização de certas competências.

Se queremos que Portugal deixe de ser um dos países mais centralizados da Europa só temos uma coisa a fazer – cumprir a Constituição e Regionalizar. E depois tratar do nível supramunicipal e municipal.

Este é o debate fundamental para se encontrar um modelo de desenvolvimento territorial equilibrado, que promova o fim das assimetrias entre o litoral e o interior e promova a igualde de oportunidades e a igualdade no acesso aos serviços públicos essenciais.

A transferência de algumas das competências hoje em debate até poderá ser pacífica, admitimos isso, o problema são as condições em que essa transferência é efectuada, sem a respetiva contrapartida financeira, sem estudos sobre os recursos humanos, alguns especializados, necessários para a sua execução.

É por isso uma decisão sem conhecer a dimensão das consequências, é um tiro no escuro, e não há necessidade disso. Não será por acaso que a própria Lei prevê a possibilidade dos municípios não aceitarem as competências em 2019 e 2020. É caso para perguntar: Qual é a pressa?

O estado central vai deixar de responder, vai transferir responsabilidades para os municípios que ainda não adquiriram nem o conhecimento, nem as ferramentas necessárias para responder, existe, portanto, um perigo real de se abrir um vazio.

Um dos problemas decorrentes deste vazio é a probabilidade de as autarquias terem de recorrer a serviços concessionados, deixando assim o administração central e/ou as autarquias de responder a funções básicas e elementares.

Como vamos responder a serviços especializados, como gabinetes de apoio a migrantes ou gabinetes para a violência domestica e violência sobre as mulheres?

Como se responde no apoio a vitimas de crimes?

Como vamos fazer com o financiamento? Retiramos ao orçamento municipal? Vamos abdicar de outros compromissos já assumidos?

Outro aspecto, não menos importante, é a forma como o governo está a gerir este dossiê: por fases. Começou logo por não cumprir a Lei no que diz respeito à publicação dos decretos-lei sectoriais e aos prazos para a pronúncia das autarquias; depois os decretos-lei vão saindo; depois não se sabe nada sobre o financiamento e o Fundo de Financiamento da Descentralização ficou vazio no Orçamento de Estado 2019; e deixa para o fim as áreas mais complicados – educação, saúde, cultura, apoio social.

A educação, saúde, serviços sociais e cultura têm outro impacto, como sabemos. Da parte do BE tudo faremos para que se mantenha a universalidade dos direitos, as mesmas oportunidades para todos e todas, o acesso aos serviços públicos e aos mesmos níveis de qualidade.

O município de Torres Novas não precisa de correr riscos desnecessários, precisa sim de juntar a sua voz aquelas que reivindicam contrapartidas justas neste processo, o pacote financeiro é mais ou menos justo conforme forem as vozes que se levantem, ou que se calem.

O compromisso do presidente de câmara, para com a Associação Nacional de Municípios, não obriga o PS a qualquer tipo de voto, os deputados devem sentir-se todos e todas livres.

O compromisso do presidente não pode prejudicar as populações, retirar-lhe direitos e apoios.

 

Torres Novas, 25 Janeiro de 2019

António Gomes