Bloco propôs recusa de novas competências para a autarquia em 2019

"Parece-nos que aquilo que PS e PSD aprovaram sozinhos na Assembleia da República com a discordância das outras forças políticas é uma lei de desresponsabilização do estado central de algumas das suas competências basilares: Educação, Saúde e Cultura" - intervenção de Luís Miguel Fanha na Assembleia Municipal

Em 16 de Agosto último foi publicada a Lei n.º 50/2018 que veio estabelecer o quadro de transferência de competências paras as autarquias locais. Nesta lei é dito que a transferência de competências e os respectivos recursos serão detalhados através de diplomas sectoriais para cada uma das áreas.

Recorde-se que a lei estabelece que a transferência tem um caráter universal e definitivo e estará concluído em 2021. Há portanto um período transitório em 2019 e 2021. As autarquias locais que não pretendem essa transferência em 2019 terão de o comunicar à DGAL após decisão dos seus órgãos competentes, no caso a Assembleia Municipal.

Ora, as assembleias municipais são chamadas a pronunciarem-se sobre um diploma para o qual ainda não há qualquer enquadramento nomeadamente que meios humanos, patrimoniais e financeiros serão transferidos da Administração Central. Convêm aqui salientar que a Lei N.º 50/2018 no seu artigo 44 diz que a lei só produz efeitos após a aprovação dos respectivos diplomas legais de âmbito sectorial. Até à presente data nada foi publicado sobre esta matérias tendo as Assembleias Municipais de se pronunciarem sobre uma coisa que em rigor desconhecem…

Querem as competências ou não? Se não as quiserem já em 2019, tê-las-ão em 2021…

Parece-nos que aquilo que PS e PSD aprovaram sozinhos na Assembleia da República com a discordância das outras forças políticas é uma lei de desresponsabilização do estado central de algumas das suas competências basilares: Educação, Saúde e Cultura. Como se pode assumir uma função de tão grande importância sem estarem devidamente acautelados os meios técnicos, humanos e financeiros?

A resposta a estas questões tem de ser necessariamente não à transferência de competências.

Cabe aqui chamar a atenção desta assembleia, e dar nota disso ao governo que, tudo se parece encaminhar, parece estar-se a abrir o espaço para, mais uma vez, às funções do estado irem ter às mãos da iniciativa privada. As autarquias vão ser o trampolim para o salto do estado central para os privados. O Governo com esta lei empurra para as autarquias competências que a Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado Central e não às Autarquias Locais.

 

Os eleitos do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal entendem que esta assembleia deverá rejeitar esta transferência de competências para 2019.

Quando os diplomas sectoriais virem a luz do dia, perceber-se-á se a Câmara Municipal de Torres Novas e todas as outras autarquias terão capacidade para dar conta do recado.

Dirão que é desnecessário tomar esta posição. Não nos parece. Até por pura cautela será de todo o interesse da autarquia que se assuma esta posição.

 

Luís Miguel Fanha

Torres Novas, 22 de Outubro de 2018

A Moção apresentada pelo BE teve os votos favoráveis da CDU, a abstenção do PSD e CDS e o voto contra do PS

Texto da Moção apresentada:

Moção

Pela não transferência em 2019 das competências previstas na Lei nº 50/2018

I.      Foi recentemente publicada a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto que estabelece o quadro de transferências de competências para as autarquias locais.

II.    De acordo com o artigo 4.º da referida lei, esta transferência de competências e afetação de recursos será concretizada através de diplomas sectoriais relativos às diversas áreas. Tal transferência,  com carácter universal e definitivo,  ocorrerá a partir de 2019 e estará concluída até 1 de Janeiro de 2021, admitindo-se, porém, que as autarquias que não pretendam a transferência já em 2019 destas competências, comuniquem esse facto à DGAL, após decisão nesse sentido dos seus órgãos deliberativos.

III.  Nos termos da Constituição, a descentralização administrativa  tem  que visar, entre outros  objetivos,  o reforço da coesão territorial e social,  devendo traduzir-se numa justa repartição de poderes entre o Estado central e o Poder local para melhor assegurar políticas públicas que resolvam os problemas das pessoas e dos territórios  e essa transferência de competências para as autarquias locais deve ser sempre acompanhada dos adequados meios humanos, patrimoniais e financeiros .   

IV.  Nunca se poderá aceitar que as Autarquias, alegando insuficiência de meios humanos ou de recursos técnicos, venham a concretizar as novas competências através da sua concessão a entidades privadas, pondo em causa o acesso e fruição pelas populações aos serviços e promovendo a degradação dos mesmos;

V.    Este diploma promove uma total desresponsabilização do Estado em funções sociais de âmbito universal como a Educação, Saúde e Cultura;

VI.  A transferência de pessoal e equipamentos acompanhado de um financiamento insuficiente onerará os órgãos dos municípios com um esforço financeiro significativo, desconhecendo-se ainda os moldes exatos da transferência de receitas para que as Autarquias possam assegurar estas novas competências;

VII.                       Apesar da descentralização democrática da administração pública constituir um dos princípios fundamentais da organização e funcionamento do Estado (artº 6º nº 1 da CRP), a Lei nº 50/2018  resultou de um acordo apenas entre o governo PS e o PSD e a sua  aprovação  pela Assembleia da República  teve a discordância  de todas as  outras forças políticas.

VIII.                     Conforme o artigo 44.º da Lei 50/2018, de 16 de agosto, esta lei só produz efeitos após a aprovação dos respetivos diplomas legais de âmbito sectorial, contudo tais  diplomas sectoriais não foram publicados até à presente data, não permitindo assim aos municípios percecionar de forma objetiva e rigorosa o sentido, a extensão e o conteúdo  da anunciada descentralização administrativa. E são ainda desconhecidos  os montantes  exatos das  verbas a transferir  para que as autarquias possam assegurar cabalmente essas novas competências.

 

IX.  A transferência de competências para as autarquias locais não pode agravar as desigualdades territoriais e  deve ocorrer apenas nas áreas em que os municípios estejam em melhores condições de assegurar o respectivo exercício. 

Pelo exposto, e também por mera cautela e por não terem sido ainda publicados os referidos diplomas sectoriais, a Assembleia Municipal de Torres Novas,  nos termos e para os efeitos   do artigo 4º, n.º 2  a) da Lei nº 50/2018, de 16 de Agosto e do  artigo 25.º, n.º 2, alíneas j) e k) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, DELIBERA:

1 - Não pretender a  transferência de competências para o Município de Torres Novas no ano de 2019;

2- Comunicar tal decisão à Direção-Geral das Autarquias Locais;

3  - Defender que a transferência das competências para as Autarquias Locais não deve agravar as desigualdades territoriais e deve ocorrer apenas nas áreas em que os municípios estejam em melhores condições de assegurar o respectivo exercício e que não será admissível qualquer desresponsabilização do Estado central nas suas funções sociais de âmbito universal como a Educação, Saúde e Cultura.

 

Torres Novas 27 de setembro de 2018