Estratégia Local de Habitação - uma oportunidade perdida
Estratégia Local de Habitação para o Concelho de Torres Novas
Primeiro, umas breves palavras para o enquadramento da questão da habitação nas políticas públicas nacionais. Bem sabemos o atraso na resposta às necessidades habitacionais do país causado por décadas de políticas erradas, como aquelas que privilegiaram a aquisição de casa própria como forma de garantir o direito à habitação, assim como uma política de arrendamento virada para a especulação das rendas. Do passado recente, importa não esquecer, a Lei das Rendas do governo PSD/CDS, mais conhecida pela Lei Cristas e Lei dos Despejos, que, 8 anos depois da sua entrada em vigor, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional na norma que levou ao despejo de milhares de pessoas (a aceitação tácita por ausência de resposta). As vítimas, essas, ficaram para trás.
Segundo, sobre a Legislação existente e o trabalho realizado na anterior Legislatura – alteração da lei da “Renda Apoiada” que tem directamente a ver com a Câmara Municipal, a Lei de Bases da Habitação, o documento sobre a “Nova Geração de Políticas de Habitação” que estabelece metas a nível nacional – concretamente 170 mil fogos de habitação com apoio público. É dentro deste contexto que foi criado e desenhado o programa “1.º Direito” que visa a erradicação das carências habitacionais e da habitação indigna.
A ambição de erradicar as barracas e as condições indignas de habitação por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril foi anunciada pelo Primeiro-Ministro e apoiada por muitos, incluindo o BE. Infelizmente os orçamentos de Estado de 2020 e 2021 não correspondem a este desígnio.
Terceiro, sobre o processo de elaboração da Estratégia Local de Habitação para Torres Novas:
A 2 de Dezembro de 2019, 1 ano e meio após a saída da legislação (o decreto-lei que cria o programa 1.º Direito foi publicado em Junho de 2018) o Município assina com a empresa “Lugar do Plano, Gestão do Território e Cultura, Lda”, sediada em Aveiro, um contrato para a elaboração da estratégia local de habitação.
O prazo de execução do contrato – 120 dias – terminaria em Abril de 2020.
No contrato, está explícito que os “Diagnósticos” constituem a 1.ª fase e sabemos que os “inquéritos” se iniciaram em Outubro de 2020, 6 meses após a data prevista para o fim do contrato e, pelo que foi afirmado em reunião pública, os inquéritos foram realizados por funcionários/as da autarquia (na altura o BE questionou e o Vice-Presidente respondeu).
Não encontramos justificação para o trabalho de elaboração da estratégia não ter sido realizado pelos serviços municipais, que têm conhecimento e competência para tal. Não se sabe porque é que a referida empresa foi escolhida, por ajuste directo, não está disponível fundamentação, sabemos que é dirigida por um ex-vereador do PS na Câmara de Aveiro.
Não são explicados os motivos do atraso no cumprimento do contrato – o trabalho deveria ter sido apresentado em Abril de 2020 e é apresentado em Dezembro de 2020.
O contrato tem o valor de 15 mil euros.
Dito isto e esperando que sejam dados os esclarecimentos, passemos à substância da estratégia:
Questões prévias:
As informações estatísticas (dados do INE) no que diz respeito à caracterização dos edifícios são de 2011 – passaram 10 anos. Temos informação mais actualizada em documentos da Câmara, pelo menos no que diz respeito à cidade, nos documentos da ARU e da ORU, já gora, feitos pelos serviços da Câmara.
É disponibilizado o inquérito realizado à população, mas não é dada informação sobre como decorreu a aplicação do mesmo – quem o aplicou, quantos foram respondidos on-line, quantos foram por contacto directo, dificuldades, etc.
Como não podia deixar de ser temos as habituais gralhas de “copy paste”, que desvalorizam o documento e nos levantam sempre dúvidas sobre a sua fiabilidade.
Pág. 2 – “estratégia local de habitação da Torres Novas; Pág. 11 – Torres Novas confina a oeste com ….Torres Novas e o anexo I – inquérito de diagnóstico é da Câmara de Alcanena…
Mas o que não podemos aceitar é o enquadramento histórico e pergunto mesmo como é que é possível que não se tenha visto o que lá vem escrito.
Já nem vou falar de um enquadramento histórico desadequado e pouco rigoroso, o que já não se admite actualmente, tendo a câmara pessoas que deveriam ter avaliado o documento antes de ser aceite e chamado à responsabilidade os autores. Chega-se ao ponto de dizer que o foral de Torres Novas foi atribuído pelo filho de D. Sancho I, quando na verdade a carta foi atribuída, como se sabe, pela chancelaria do "Povoador". O filho outorgou, sim, uma confirmação do foral de 1190, mas já no início do século XIII. Ou teremos andado enganados, assim como a estátua junto ao castelo?
Presidente, eu não quero atribuir-lhe a responsabilidade de tudo, mas pergunto-lhe, quem tem a responsabilidade política deste dossier? Porque das 2 uma – ou não sabe quem atribuiu o Foral, o que é, digamos, indesejável ou então não leu o documento e isso é muito grave.
Na pág. 56 São identificados 74 agregados em situação de habitação indigna e 1 sem abrigo.
Gostaria que fosse fornecida mais informação sobre o agregado sem-abrigo.
Pergunto se o PS subscreve o que está escrito na pág. 74 e se se compromete a cumprir – “o executivo da Câmara Municipal assume as funções de direcção política da equipa, das acções decorrentes desta ElH, conduzindo a actividade da equipa de tal forma que, a sua actuação se enquadra plenamente na política aprovada, reunindo regularmente com o responsável técnico.” – O executivo somos todos nós.
Quanto às soluções apresentadas
Bom, mas na prática o que é que se vai fazer?
Beneficiários directos – candidaturas das pessoas – prevê-se 35, sendo 13 em 2021, 12 em 2022 e 10 em 2024
A executar pela Câmara – aquisição de fracções ou prédios degradados e subsequente reabilitação dos mesmos – 39 em 4 anos, sendo que em 2021 é ZERO
O custo previsto é pouco mais de 10 milhões – financiado pelo 1.º Dtº. – é preciso ter uma estimativa do valor passível de ser financiado a fundo perdido.
Conclusão:
É apresentado um documento, que não cumpriu os prazos estabelecidos em contrato, com informação relevante desactualizada, que repete informação a que já temos acesso, incompleto no diagnóstico, com referências falsas sobre o a história do concelho e ainda por cima com fracas soluções para a dimensão do problema habitacional do concelho.
Temos 75 situações de famílias a viver em situação indigna e 410 pedidos de habitação social.
Temos a cidade com o centro histórico despovoado assim como em muitas aldeias, e o que se projecta, da responsabilidade da Câmara, são 39 aquisições de imóveis e reabilitação, num quadro em que existe financiamento, sendo portanto, muito reduzido o esforço do orçamento municipal. Acresce que em 2021 não se fará nada nesta área.
Com certeza que repararam que é apresentada uma estratégia a ser concretizada no mandato seguinte.
Lamentamos, mas não podemos dar o nosso voto favorável.
Helena Pinto, vereadora do BE
Torres Novas, 9 Fevereiro 2021