Humanismo, precisa-se.

Em tempos de crise na habitação em Portugal, estamos a construir prisões em vez de casas. Incrível!

Dentro de um mês o leitor terá a oportunidade de votar no partido que prefere para a Assembleia da República, tal como há um ano atrás. Tudo, porque o ainda Primeiro-Ministro não quis esclarecer as relações que tinha com uma empresa que criou e geria enquanto também geria o próprio país: algo que por acaso não é permitido. Afinal de contas, alguns clientes dessa empresa apoiaram o seu partido há uns anos; o que se torna irónico, tendo em conta a forma como o Governo anterior foi abaixo.

Neste ambiente de novas eleições, que nenhum de nós pretendia, o radicalismo está mais acentuado que nunca. Difamações sobre a imigração são o prato do dia, assim como mentir nos próprios debates televisivos, são armas que a extrema-direita tem usado bastante. Mas isto não me surpreende. O que me surpreende é a forma como as pessoas “engolem” esse tipo de conteúdo, mesmo que falso, e ofendem os que pensam o contrário.

O extremismo à direita está a instalar-se de tal forma que o próprio PS já mudou o discurso quanto à imigração, e o PSD aproxima-se ao Chega nesse campo também. Ainda há poucos dias Montenegro lançou dois novos centros de detenção de imigrantes ilegais. Em tempos de crise na habitação em Portugal, estamos a construir prisões em vez de casas. Incrível!

É que estas coisas irritam-me particularmente. Portugal, um país de emigrantes que emigraram, e ainda emigram, pelo mundo fora à procura de uma vida melhor, criticando quem apenas tenta fazer o mesmo. É que a apanha da fruta, a agricultura, a pesca, precisa de mão-de-obra, pois não me parece que a nova geração pretenda esse tipo de emprego; porém, todos necessitamos deles e deveríamos certamente valorizá-los mais.

E depois chamam extremismo às medidas que o Bloco propõe para as próximas Legislativas. Extremismo??? Extremismo é ir à Internet pesquisar um T1 em Torres Novas e ver que custam 600 euros por mês (já em Lisboa os valores vão para quase o dobro), sendo que no ano passado mais de metade dos trabalhadores e trabalhadoras recebiam menos de 1000 euros por mês. Extremismo é eu ter amigos que trabalham por turnos e vê-los cansados por mudanças de horário constantes. Extremismo é eu estar a tentar poupar dinheiro para ir de férias e não conseguir porque o salário não chega. Extremismo é eu ver pessoas a morar na rua, ou em barracas, tal como nos anos 80, e com...emprego!!!

Eu confesso que até achava a medida que visa colocar um teto nas rendas um pouco extremista demais. Por norma, acho que a pessoa que é possuidora de um imóvel deve poder vender ou arrendar (dentro das normas legais, claro) pelo valor que pretende, pois é seu. Mas vivemos tempos drásticos, que exigem medidas drásticas, e agora, para agora! Porque as pessoas precisam de ser aliviadas já, ou ficam sem poder comer porque têm de pagar a renda. Além disso, há outras propostas que complementarão e contribuirão para o alívio da especulação imobiliária como a construção de habitação pública e a mobilização de edifícios públicos devolutos para habitação acessível.

O trabalho também merece ser mais valorizado. Quem trabalha por turnos sofre pelas mudanças de horário e deveria ser compensado por isso. Um subsídio à altura e uma reforma antecipada. Quem não consegue acompanhar o crescimento dos filhos, não consegue aproveitar devidamente a vida, deve poder fazê-lo quando ainda tiver alguma saúde que possibilite desfrutá-la.

Assim como quem lucra milhões deve também contribuir para que se ajude quem mais precisa. Enquanto o trabalhador tem de gerir a sua vida com os seus 870 ou 900 euros mensais, há outros que lucram às custas da produtividade de quem trabalha. Há quem ache errado: “o Estado aproveitar-se do rendimento dos outros”. E um supermercado cobrar o que quer enquanto esmiúçam os produtores para descer o preço dos seus produtos? E os bancos que lucraram mais de 6 mil milhões de euros às nossas custas? Não é aproveitamento? Onde mora a justiça social? Onde mora a solidariedade e compreensão pelo outro? Onde mora o respeito por outras culturas e religiões? Eu pensava que morava em Portugal. Espero que continue a morar. Humanismo precisa-se.

 

Pedro Gouveia