As razões do voto contra no Orçamento Municipal 2021

«O orçamento é insensível face à crise social e económica, da política fiscal (taxa de IMI) à ausência de medidas concretas. É um orçamento eleitoralista e demagógico e ainda peca por ser imprudente face à gestão futura. O voto do BE é CONTRA.» - declaração de voto da vereadora Helena Pinto

Somos hoje chamados a tomar posição sobre o principal instrumento para a gestão do Município – o Orçamento. Aproveito para sublinhar o facto de este orçamento ser apresentado segundo as novas normas contabilísticas, o que o torna mais transparente e facilita o controlo das rubricas. No entanto há que completar o que ainda falta – o preenchimento da coluna do “realizado”, que nos permitirá saber com exactidão o que foi gasto com cada projecto.

É o último orçamento deste mandato autárquico. E quem o lê percebe que é assim como “dar tudo por tudo”, esgotar tudo, anunciar tudo, neste último ano. Não revela tranquilidade e muito menos o fim do ciclo, pois continuamos a tratar das obras e projectos que já foram objecto do fim do anterior ciclo autárquico e do início do actual.

Esperava-se outra coisa de quem tem disfrutado de uma confortável maioria absoluta e que acumula ¼ de século de experiência à frente dos destinos desta Câmara Municipal.

Quem ler a parte explicativa do documento e não conhecer o Município de Torres Novas ficará com uma ideia de uma grande dinâmica que terá o seu auge com a conclusão das obras previstas para 2021. Mas, se tiver a paciência de consultar os documentos dos anos anteriores facilmente verificará que as “grandes e pequenas” obras se repetem. E se tiver a disposição de visitar Torres Novas – a cidade e as freguesias – perceberá que o caso é grave e existe mesmo assim como que um “deslocamento da realidade”.

Não é a primeira vez que se assiste à apresentação de grandes projectos que vão trazer prosperidade ao concelho – ainda nos lembramos do empreendimento do Boquilobo, do Shivasom, das várias portas da cidade, da cidade educadora, da cidade isto e aquilo.

Cada um adaptado aos fundos comunitários de cada época. Agora é o PEDU e as obras nas escolas e unidades de saúde. Estas últimas obras são bem-vindas e receberam o voto favorável do BE, mas são da responsabilidade da administração central, como sabemos.

Antes de continuar dizer que não vale a pena acusar o Bloco de não reconhecer nada do que se fez pois isso não é verdade. Mal fora que o executivo PS não tivesse feito algumas coisas bem. Grande parte do orçamento vai direitinho para os encargos com o Pessoal e outra parte significativa para garantir os serviços públicos essenciais – educação (transportes e refeições), limpeza e resíduos urbanos, protecção civil (apoio aos Bombeiros), Iluminação pública, transferência para as freguesias, funcionamento dos vários serviços municipais (biblioteca, piscinas, pavilhões, museu,..) e ainda para o serviço da dívida (mas já voltarei a este último aspecto em particular).

Aproveito a ocasião para saudar todos os trabalhadores e trabalhadoras do Município, que dão o seu melhor no cumprimento das suas funções.

Dito isto, qual o maior defeito da proposta apresentada pela maioria PS?

Uma proposta que ignora a crise social e económica que vivemos em consequência da pandemia. Como é possível? As referências à pandemia são ocasionais e contam-se pelos dedos de uma mão. O centro das políticas públicas deveria ser o combate a esta crise que já se instalou e que se vai aprofundar. O orçamento devia dar resposta às pessoas que estão e vão ficar no desemprego, que têm os seus rendimentos reduzidos, às micro e pequenas empresas que mal se conseguem manter e às instituições que tudo fazem para apoiar quem mais dificuldades tem.

Num concelho envelhecido como o nosso, não há uma linha, uma ideia, para apoiar a população mais velha tão atingida e tão vulnerável.

É portanto um orçamento insensível, que passa ao lado da pandemia.

E qual o 2.º maior defeito do orçamento?

Talvez se consiga sintetizar desta forma: bem sabemos que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. Mas o orçamento para 2021 diz exactamente o contrário: vamos fazer tudo em 2021 e mais um “par de botas”.

Veja-se o “Mapa Previsional de Financiamentos Externos”: o grosso da despesa não estava previsto para o ano de 2021, mas sim distribuído pelos anos anteriores. Tudo desliza para o ano de 2021. Até podemos aceitar que em relação a algumas obras assim fosse. Mas acontecer com a esmagadora maioria? Não há coincidências…

No mapa de “previsão orçamental plurianual da receita” é bem claro o que afirmamos: no orçamento de 2020 a previsão total da receita para o ano de 2021 era 24 milhões. O orçamento passa a contemplar 48 milhões – duplicou!

Há uma concentração nas receitas (fundos comunitários e empréstimos) e na conclusão de obras no ano de 2021, ano de eleições. Peço que não insultem a nossa inteligência e não digam que simplesmente aconteceu.

Apenas 6 obras, com relevância, são novas: passeios de Riachos; caminhos de Fátima; acesso pedonal a Lapas; arruamentos no Pafarrão; pista de pesca; complexo de ténis. Todos os outros já constavam de orçamentos anteriores.

É um orçamento eleitoralista e altamente demagógico. Não são defeitos, são mesmo opções.

Algumas questões em concreto que merecem o nosso reparo:

- verificamos que o Presidente deu pela “gralha”  “do maior orçamento municipal de sempre”. Ainda estão na memória colectiva os orçamentos da anterior gestão do PS com valores muito superiores. Eu sei que estavam empolados e não foram cumpridos. Mas quem garante que este será cumprido? Quem escreveu é “mais papistas que o papa”…

- rio Almonda – o rio é uma “não existência” para o orçamento. Mas escreve-se “foi efectuada uma candidatura de intenções junto da APA no montante de 1,5 milhões de euros, comparticipada a 100%, (…) o intuito de fazer renascer a génese deste ex-libris de Torres Novas”…. Convinha, já agora, se existe tal candidatura, que a Câmara seja informada, ou teremos que considerar que tal generalidade é mais um anúncio… Mas o que conta são os 49 mil euros previstos em orçamento para todas as linhas de água!

- reabilitar e valorizar os centros históricos – embora o título seja no plural, não existe nada para fora da cidade. Lapas continua a não merecer uma intervenção adequada. Nem sequer as ARU para Lapas e Riachos, aprovadas pela Câmara, verão a luz do dia neste mandato. Agita-se a elevada verba destinada a esta rubrica mas muito pouco ou quase nada se destina à reabilitação do edificado para habitação e do espaço público. Não deixa de ser irónico que nesta área aquilo que o PS tem para mostrar de obra feita e completa seja as 2 casas reabilitadas para arrendamento, proposta do BE. Imaginemos que o BE não tinha proposto e não tinha insistido, teríamos hoje estas 2 casas reabilitadas? As chaves vão ser entregues, anuncia-se, mas onde estão os regulamentos e as normas não se sabe. E já não vou falar sobre a “Estratégia Local de Habitação”…. Este assunto ficará para próxima reunião.

- apoios ao associativismo: embora o Presidente tenha transmitido que iria haver um reforço do subsídio mensal, tal não se verifica no orçamento e a verba é exactamente a mesma. Já a verba para “apoios pontuais a entidades” sobe 700% e com certeza que nada tem a ver com o facto de 2021 ser ano de eleições…

- não podemos aceitar que em equipamento (totalmente suportado por verbas da Câmara) seja gasto cerca de 600 mil euros para equipamento da Central do Caldeirão e Prédio Alvarenga, sendo que a maior fatia se destina ao Prédio Alvarenga. Ninguém sabe o que vai ser, ninguém sabe que equipamento é, apenas sabemos quanto custa. É uma afronta em tempos de crise.

- violência doméstica: faz-se referência a manter a participação nos projectos já implantados (projecto Maria e espaço M), mas no concelho não se conhece onde funcionam. Os restantes municípios do Médio Tejo há muito que anunciaram as suas estruturas de atendimento às vítimas de violência doméstica, em Torres Novas desconhece-se, nada se fez. Eu sei onde uma vítima se pode dirigir em Vila Nova da Barquinha ou no Entroncamento, mas não sei no concelho onde sou vereadora!

- no que respeita à melhoria da qualidade dos serviços prestados é dado ênfase à “modernização administrativa e desenvolvimento tecnológico”, no entanto parece que se esquece que uma condição essencial desta modernização administrativa é a transparência e a facilidade de acesso à informação e aos documentos.

- quanto à reabilitação das estradas verifica-se algum avanço em relação aos anos anteriores, evidenciando que o BE tinha razão quando insistiu sobre esta matéria, embora ficando longe do necessário.

- estranhamos que a rubrica Plano de Valorização das Áreas Empresariais, que contempla os acessos à zona industrial de Riachos e do Entroncamento, que tanta polémica deu e cujo traçado mereceu a oposição do BE com apresentação de uma alternativa, obra tão cara ao PS local, tenha pura e simplesmente desaparecido do orçamento, quando em 2020, se previa o investimento de 1 milhão pelo município.

Falemos agora de um outro aspecto preocupante: a dívida, os juros e as amortizações. É verdade que a dívida tem estado controlada, mas os números e as projecções constantes deste orçamento não podem deixar de nos preocupar.

A 1 de Janeiro de 2021 a dívida do município situa-se em 10,5 milhões. A 31 de Dezembro 2021 situar-se-á em 15,9 milhões.

Em 2021, no próximo ano, pagaremos de juros bancários 104.966 euros (este ano pagámos 63 mil) e em 2025 pagaremos 423 mil euros. Já quanto à amortização para o ano pagaremos 1 milhão e 228 mil euros e em 2025 – 8,5 milhões. A que se somará ainda a dívida ao Estado (em 2025: Juros 52 mil + Amortização 1,2 milhão).

Entre juros e amortizações em 2021 pagaremos: 1.907.000. Em 2025 pagaremos 10.220.000.

São estes os números constantes do Orçamento e merecem uma explicação. O Presidente disse que a verba constante da coluna referente a 2025 será para distribuir pelos anos seguintes, embora a coluna respeitante aos anos seguintes esteja em branco. Aguardamos as explicações e alteração do orçamento neste aspecto.

Eu bem sei que o endividamento está dentro da legalidade, mas a questão vai mais além. Este serviço da dívida é sustentável a médio prazo? Esta é que é a questão que gostaríamos de ver justificada pelo Partido Socialista.

Por último quero fazer referência às propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda ao abrigo do Estatuto do Direito de Oposição, prática a que nunca falhámos. Nem uma proposta foi integrada. Apresentámos 45 propostas (que serão anexadas a esta declaração), algumas requerem um investimento mínimo e abrangem áreas do combate à pandemia, ao apoio directo à população, às instituições, à cultura, à economia, ambiente, TUT, bem-estar animal, política de habitação, bolsas de estudo, organização municipal, publicidade institucional.

Não é possível, no tempo que dispomos, quer na preparação, quer de intervenção em reunião, abordar todos os aspectos deste Orçamento. Muito mais há para dizer e o BE não abdicará de o fazer até à realização da Assembleia Municipal.

O orçamento é insensível face à crise social e económica, da política fiscal (taxa de IMI) à ausência de medidas concretas. É um orçamento eleitoralista e demagógico e ainda peca por ser imprudente face à gestão futura.

O voto do BE é CONTRA.

Torres Novas, 2 de Dezembro de 2020

Helena Pinto, vereadora do BE