O resultado das eleições é no mínimo estranho mas, sobretudo, é preocupante.
Nem esquerda, nem centro, nem direita ficaram com razão para sorrir, apenas a extrema-direita pode mostrar os dentes.
A abstenção, que diminuiu significativamente contrariando a tendência das últimas duas décadas, trazendo mais gente a participar na democracia, teve um sabor azedo para a esquerda, a maioria dos novos votantes decidiu dar força à xenofobia, ao racismo e ao autoritarismo, trazendo à memória outros tempos de há mais de 50 anos.
Como chegámos aqui? É a pergunta de muita gente, de muitos democratas, de muitos lutadores pela justiça.
Quanto a mim aconteceu o que se vinha falando em surdina, em voz baixa, o populismo instalou-se e encontrou um porta-voz à altura e a abstenção altíssima tornou-se numa panela de pressão que agora rebentou.
A corrupção cresce, a corrupção de colarinho branco é um monstro, a pequena e a grande arrastam-se no tempo sem que a justiça seja capaz de uma resposta eficaz, os detentores do poder económico são tratados de forma diferenciada relativamente aos pobres.
Também têm sido décadas e décadas a fingir que se resolve os problemas dos de baixo, foram décadas onde as desigualdades cresceram imenso. Ao invés de respeito pelas pessoas, salários dignos e direitos, utilizaram-se malabarismos como, por exemplo, os subsídios para minorar os riscos de pobreza e as desigualdades: para pagar a eletricidade, para o risco da profissão, para a alimentação, para ajudar a pagar a renda da casa, para ajudar a pagar o empréstimo ao banco, para o abono de família, para os idosos, para o cabaz de compras, para produzir na agricultura, para produzir na indústria, para tudo…. Subsídios e compensações, tudo efémero, para que os salários e pensões nunca cresçam, se mantenham baixos, baixinhos.
Só os salários são a garantia dos rendimentos dos trabalhadores e salários dignos significam pensões dignas.
Corrupção, desigualdades e rendimentos garantidos pelos mínimos, tem sido o modus operandis da governação desde há mais de 40 anos, ignorar isto é, no mínimo, andar distraído.
Só os partidos do centrão - PS e PSD - ocuparam os lugares do poder, os lugares da decisão, a responsabilidade é de muitos, mas estes partidos não podem sacudir a água do capote.
PS e PSD adubaram a terra onde nasceu e cresceu o populismo, que ninguém se engane.
Bem sabemos que a extrema-direita não resolve nenhum dos problemas que agora os ajudaram a crescer e a chegar onde chegaram, mas entretanto vão fazendo mossa na democracia.
A voz da esperança continua bem viva.
Crónica de opinião publicada no 'Jornal Torrejano'