25 Abril 2021

Intervenção de Mariana Varela, em nome do BE / Torres Novas na sessão solene comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril de 1974

Foto de Nuno Vasco

Assinalamos, hoje, os 47 anos da Revolução de Abril de 1974, algo que, naturalmente, tem lugar pela sua importância histórica enquanto momento revolucionador da vida do povo português: por todas as conquistas que dele directamente advieram e pelas portas que se abriram.

É evidente que todos os eventos comemorativos de carácter honorífico, versando ou não sobre o acontecimento que hoje aqui nos traz, são de inegável importância, na medida em que possibilitam e, aliás, obrigam, a que as instituições democráticas e os partidos políticos assumam uma posição formal de respeito por tal acontecimento histórico, quer numa dimensão nacional, quer local.

No entanto, a consciência social do que significou e significa a Revolução passa também, e principalmente, por nunca nos esquecermos do principal propósito que a impulsionou: derrubar um regime ditatorial, limitador e destruidor de liberdades individuais e colectivas, onde imperaram a repressão violenta, a censura e tantos outros meios inaceitáveis, do ponto de vista social e humano.

A melhor, mais honesta e digna forma de homenagear a Revolução de Abril é dar continuidade, todos os dias, e em todas as ocasiões, às reivindicações que a motivaram. Fazemo-lo com memória, consciência, conhecimento e em pleno exercício daqueles que são os direitos civis, sociais e políticos, decorrentes da condição de ser cidadão, e que se materializaram na Lei Fundamental Portuguesa, rica em disposições normativas relativas a direitos, liberdades e garantias de carácter pessoal, de participação política e dos trabalhadores, bem como de direitos e deveres económicos, sociais e culturais. A Constituição de 1976 não é alheia a princípios de organização económica e de organização do poder político, quer a nível central, quer a nível local – representativa do abandono de um regime autoritário, centralizado e opressor.

Certamente que o contexto em que se deu a Revolução de Abril e em que tiveram expressão os seus valores e lutas, é diverso daquele que actualmente vivemos, mas não lhe é absolutamente estranho. O caminho que se iniciou, fruto de um desejo de libertação e força da vontade popular, ainda não está hoje terminado. Infelizmente, está bem longe disso. Perante as sucessivas tentativas de reescrever a história, ameaçando as conquistas de direitos sociais e laborais – urge continuá-lo, afirmar o seu projecto político, económico, social e cultural.  

A homenagem ao 25 de Abril jamais se reduz a um acto cerimonial, nem se esgota em atitudes politicamente correctas e socialmente convenientes. Passa, sim, pela concretização e afirmação constante dos valores de Abril, trazendo-os para o dia-a-dia do povo português, e por reclamar o combate à exploração, à precariedade, e a todas as formas de ataque à dignidade humana.

Se no passado lutávamos por eleições livres ou pela liberdade de imprensa, hoje devemos lutar, por exemplo, por meios de comunicação social mais livres e independentes do poder político e económico, devidamente cumpridores da sua função: a de informar e comunicar. Se em tempos lutámos pela liberdade de criação cultural, intelectual e artística, pelo fim da censura ou pelo direito à educação e à saúde, hoje devemos lutar pela sua democratização, pela efectivação de apoios sociais e criação de igualdades de acesso e oportunidades.

O direito de participação activa na vida pública e política, o direito a uma habitação digna e confortável, a um ambiente sadio e ecologicamente sustentável, o direito à protecção da família por parte do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, são exemplos de lutas que estão por concluir – todas elas importantes para o enriquecimento e florescimento de uma comunidade.

É pela actualidade e evolução das lutas de Abril que a juventude assume um papel essencial no cenário político. São as suas aspirações e desejos legítimos, para o presente e para o futuro, que servem de motor à consumação de um conjunto de direitos há muito, e bem, reconhecidos, juntamente com as reivindicações daqueles que há mais tempo se deparam com os problemas estruturais da nossa sociedade - aqueles que, tendo ou não experienciado anos e anos de um regime autoritário, creem na possibilidade de mudança, na força e capacidade transformadora de um povo unido.

Importa referir que o desinteresse pela política, as altas taxas de abstenção ou mesmo o sucesso do discurso populista e demagógico são sintomas de um mesmo problema – o desânimo e apatia generalizados, a descrença nas instituições democráticas, nos agentes políticos e no sistema – esse todo de dimensões interligadas que, sem se cumprir uma, nunca se poderão cumprir as outras.

A participação política é inerente ao ser humano, enquanto ser naturalmente gregário e, por isso, alimentado pela sensação de pertença a uma comunidade, a mesma que o influencia e em que participa activamente. Deste modo, qualquer desapego e até desprezo pela vida pública e, portanto, política, é motivo para nos preocuparmos enquanto sociedade.

Esta indiferença é particularmente sentida a nível local, tanto por uma clara escassez de debate político, como pelo próprio desinteresse pela vida política autárquica e os seus centros decisórios. Grande parte da população, compreensivelmente alheada, em maior ou menor grau, daquele que é o sentido e a necessidade da sua participação na vida em comunidade, tende a não procurar a origem de alguns dos problemas com que se vê confrontada, adoptando uma posição passiva e desinteressada, que em nada contribui para a co-construção de uma realidade justa e humanitária.

As estruturas institucionais fortemente hierarquizadas, impregnadas de burocratização e caracterizadas pela verticalidade e centralização da sua actuação impedem a existência de uma política local próxima dos cidadãos. Uma política feita por e para uma comunidade que deseja, instintivamente, envolver-se em tudo o que à sua subsistência e vivência diz respeito.

Todo e qualquer ser humano deve poder realizar-se no lugar onde se move, na sua cidade, vila ou aldeia, na sua casa, na escola ou no trabalho. Deve poder reconhecer-se no encontro com os outros, com o património cultural e com o meio ambiente e recursos naturais envolventes.

E tudo isto é política, é cumprir Abril, é devolver ao povo a sua soberania e liberdade e é aquilo a que o Bloco se propõe concretizar.

Torres Novas, 25 de Abril de 2021

Mariana Varela