Capitalismo e saúde mental

Estudante

O cidadão do séc. XXI atua à imagem do mercado e traz a dinâmica capitalista para as mais pequenas coisas do seu dia-a-dia

Num mundo onde os problemas mentais se alastram, em que domina a ansiedade diária, o stress, a depressão, em que a prescrição de medicação como os ansiolíticos e antidepressivos tem vindo a aumentar, urge detetar as raízes desta verdadeira crise de saúde mental, ao invés de nos restringirmos ao tratamento de sintomas. Enquanto seres humanos, naturalmente sensíveis e condicionados pelo que nos rodeia, não é de estranhar que o sistema em que nos inserimos nos influencie profundamente. E que sistema é este? De que forma pode estar interligado com a saúde mental de cada um de nós?

Importa referir que a ansiedade, de um modo geral, é um sentimento de medo, apreensão, inquietação, desconforto e perigo iminente, tendo grandes consequências a nível físico: tensão muscular, cansaço e problemas de concentração, entre outros. Ora, abstraindo-nos daquele que é o pequeno mundo de cada um e das suas preocupações individuais, é evidente que muito temos em comum. Partilhamos e movemo-nos dentro desta realidade dominada pelo sistema capitalista, pela propriedade privada, pela maximização do lucro e acumulação do mesmo, pela economia de mercado (em que os agentes económicos privados usufruem de liberdade para controlar a produção económica) e arcamos todos, ainda que de forma diferente, com as consequências deste: a extensão absurda do horário laboral, o bombardeamento de marketing emanado das grandes corporações, a privatização de cada vez mais espaços públicos, o desemprego e a consequente miséria financeira (que, contraposta com o luxo de vida de outros, despoleta sentimentos de tristeza e ansiedade naqueles que por ela passam).

O impacto que o capitalismo tem no mundo, como sistema económico com expressão a nível social, cultural, ambiental, individual e ético, é imensurável, assustador e desumano, condicionando negativamente a consciência que o ser humano tem da sua própria existência, levando-o a acreditar que, para sua própria defesa, as suas ações se devem pautar pelo seu interesse próprio, pela competição e jamais pela cooperação e compartilha. Lutamos por ter recursos que nos permitam sobreviver ou atingir um determinado estatuto e a competição, a manipulação, a hipocrisia e o egocentrismo dominam. O valor de cada um mede-se pela sua capacidade produtiva: rapidamente chegam as críticas destrutivas dos nossos semelhantes e, acima de tudo, o sentimento de culpa, a sensação de que somos inúteis e incapazes. O cidadão do séc. XXI atua à imagem do mercado e traz a dinâmica capitalista para as mais pequenas coisas do seu dia-a-dia, para as suas interações sociais, para as suas redes sociais (vendendo uma imagem que, ainda que falsa, corresponde exatamente àquilo que se espera de um indivíduo absorvido pelo sistema capitalista: produtivo e perfeito, merecedor de ser incluído no ciclo económico). Não podemos negar que as tendências suicidas, os sintomas depressivos, o isolamento e a sensação de vazio, embora sentidos de forma diferente, por força das especificidades da vida e psique de cada um, estão diretamente ligados com as características da economia capitalista.

O seu trabalho, ao qual o cidadão comum dedica maior parte dos seus dias, não lhe pertence, não pode ver nele uma parte da sua essência, não se vê refletido nele. Trabalha-se para se obter um salário e nunca para atingir satisfação pessoal. Não é de estranhar que, perante este contexto, cada vez se fale mais em ansiedade, insatisfação, irritação e alienação. E que compaixão se pode esperar de uma sociedade absorvida pelos ideais capitalistas? Como nos podemos espantar com o aumento progressivo das perturbações mentais? O capitalismo, enquanto sistema que rege as nossas vidas a todos os níveis, constrói uma sociedade à sua imagem, ignora as capacidades únicas de cada ser humano, a essência de cada ser, o bem-estar psicológico e físico dos cidadãos, perpetua a miséria humana e o individualismo, deixando para trás a tão importante união, coesão social e solidariedade. Enfim, a humanidade.

Artigo publicado no "Jornal Torrejano"