Alguma coisa se tem falado sobre as sondagens na última campanha eleitoral, mas não muito, estranhamente.
Sabemos que as sondagens se enganaram e que enganaram vários dos protagonistas e que muito provavelmente tiveram consequências diretas nos resultados eleitorais.
Enganaram o PS que mudou de rumo a meio da campanha. Primeiro Costa pediu a maioria absoluta mas como as sondagens não indicavam nada parecido começou a anunciar que falaria com todos os partidos, à esquerda e à direita… resultado, calhou-lhe a maioria absoluta oferecida pelas sondagens.
Enganaram o PSD porque começou a fazer contas ao número de ministros do seu próximo governo, como se a vitória estivesse garantida… Rio foi enganado pelas sondagens e teve uma derrota assinalável.
Enganaram a esquerda à esquerda do PS – BE e PCP que acreditaram nas sondagens porque afastada a maioria absoluta poderiam vir a ter um lugar de destaque na solução governativa… o resultado é bem conhecido, pesadas derrotas.
É hoje aceite consensualmente que muitos eleitores queriam votar no BE, por exemplo, mas com as sondagens dos últimos dias a apontar para uma vitória da direita, com a agravante de Rui Rio não esclarecer até aonde ia a abrangência do seu governo, repensaram o seu voto e, sem o desejarem, deram uma maioria absoluta ao PS.
Os resultados das últimas eleições têm causas que vão muito para além dos números apresentados pelas sondagens, não podem, em particular os perdedores refugiar-se nas sondagens, mas é indesmentível que estas tiveram uma influência assinalável no desfecho final.
Até hoje as empresas responsáveis pelos estudos de opinião não foram capazes de reconhecer o mau serviço prestado à democracia.
Temos que aceitar os resultados, mas não devemos deixar de nos questionar sobre como uma falsa polarização (empate técnico entre PS e PSD que nunca existiu), criada artificialmente, influencia diretamente resultados. Que se registe para o futuro.
Será razoável aceitar que um resultado eleitoral que determina a composição da Assembleia da República fique, na prática refém do impacto das sondagens no eleitorado ou em parte dele?
Os resultados são o que são e em particular a Esquerda tem a obrigação de fazer uma reflexão séria sobre os resultados obtidos.
Mas a democracia também devia exigir, no mínimo, uma reflexão sobre as sondagens, a sua metodologia e a publicação até aos últimos dias de campanha. Temos tempo, espera-nos 4 anos e 9 meses de maioria absoluta.
António Gomes
Crónica publicada no "Jornal Torrejano"