Somos nós os teus cantores
Da matinal canção
Ouvem-se já os rumores
Ouvem-se já os clamores
Ouvem-se já os tambores
(coro da primavera, Zeca Afonso)
Tinha sete anos e vivia no Cacém com os meus pais e irmãos. O dia amanheceu com sol, lembro-me da luminosidade da sala. O telefone tocava era o tio Augusto, a ligar de Torres Novas, a perguntar se estávamos bem. Que sim, que ainda se sabia muito pouco, que esperavam mais notícias, respondia o pai, ou a mãe, enquanto perguntávamos porque estavam tão felizes. Que estava a acontecer uma revolução, que os que mandavam não iam mandar mais, que ia haver paz, que a liberdade estava a chegar e a passar por ali. Saltitávamos, como cachopos que éramos, à volta da mãe e do pai, com o brilhozinho nos olhos a perceber, talvez pela primeira vez, o que era a esperança. A gaivota voava, voava na rádio e na televisão a preto e branco sempre ligadas, com a Grândola Vila Morena a entrar no coração do país.
A maré levantou-se, era 1974 e o que fazia falta era animar a malta, a palavra fraternidade substituía a amargura do medo e do controlo, a história seria outra.
Paz, pão, habitação, saúde, educação, seria a partir desta data, a consagração que souberam e sonharam para um Portugal novo e mais igualitário. Como hoje, era o primeiro dia do resto das nossas vidas.
Venham mais cinco e juntámo-nos à multidão que enchia a Avenida da Liberdade e o Rossio de cravos e alegria partilhada. Junto ao povo todo, aos militares e aos políticos, os Artistas pintaram os muros sombrios e os músicos levaram as letras da poesia, ao subconsciente colectivo. Era bonita a festa, pá! Depois do adeus e depois de nós, levar sempre num cravo a grande lição e a tremenda emoção da LIBERDADE!