É através do estado da educação e da Cultura, que podemos auscultar a pulsação de um País ou de uma região.
Mas enquanto pintarmos o país de precaridade seremos sempre de menos por aqui e estaremos sempre aquém do que poderemos ser como nação.
Relativamente ao distrito de Santarém, não estamos dissociados das problemáticas nacionais que, em pleno século XXI, vergonhosamente atingem a educação e a cultura.
Em linhas gerais e independentemente dos vários problemas que a Educação atravessa nos dias de hoje, que estão espelhados nos programas eleitorais dos partidos candidatos nestas legislativas, que passam pelas deslocações dos professores; número elevado de alunos por turma; modelo de avaliação completamente impróprio, a que se junta o garrote de acesso no 5º e 7º escalão na progressão da carreira docente; os salários completamente desajustados à atualidade; o envelhecimento dos professores e respetivos impactos; horários com tempos não letivos, que se traduzem em tempos de trabalho efectivo, sobrecarregando os professores que teriam direito a redução de horário por idade mais avançada; a necessidade urgente de acesso à reforma antecipada sem penalizações; a necessidade de voltar a credibilizar a profissão a vários níveis, tornando-a mais atrativa; a burocracia alarmante e despropositada, são, entre outras situações que afetam quem escolheu dedicar-se à educação e correspondem a deliberações profundamente penalizadoras efectuadas nas últimas décadas cuja agenda consistiu em “fragilizar” a educação democrática para todos e a profissão docente.
Por parte dos alunos o sistema de exames nacionais no ensino secundário grita por atualização de modelo (traduz uma cultura de poder e de submissão implícita, uma esquizofrenia socialmente pouco exemplar e não produz efeitos educacionais reais; a ausência de uma gestão adequada dos transportes adaptada aos horários escolares; a qualidade das refeições escolares; as opções vocacionais e profissionais que carecem de perspetiva; o desejo de conhecimento mais aproximado à vida real integrando saberes como a política, a cultura e a economia.
São, entre outros, sintomas que caracterizam tristemente e enfermam, o sistema de ensino em Portugal, atingindo transversalmente toda a população, as comunidades e a região, criando constrangimentos ao cumprimento pleno do acesso integral à educação e à cultura, que a situação pandémica veio agravar ainda mais.
Mas a verdade é que mantemos um modelo educativo ainda com marcada herança do século passado, quando ainda não havia plataformas digitais, bitcoins, ou NFTs. Nem tão pouco, a emergência climática desafiava tão profundamente, a configuração dos modelos de emprego, economia, cultura e sociedade.
Devemos aos professores, as primeiras letras e a ampliação dos campos de saber sem limites.
Porque a educação não acontece sem espanto, sem energia, sem encantamento. A aprendizagem tem de ser relevante e emancipatória, o ensino tem de ser empolgante.
Nesta senda, é essencial ramificar a literacia visual, colocando a educação artística definitivamente no lugar cimeiro das plataformas e estratégias educacionais, atuando na criação de novas realidades a partir de uma perceção critica sobre o que nos acontece e como nos acontecem as coisas.
Na atualidade sabemos já, que é urgente re-dignificar a profissão docente para que a educação invoque o seu papel de interpelar os acontecimentos, de promover uma atuação pesquisadora, de assumir o seu protagonismo na construção de um saber plural, integrador, desafiante, provocatório com raízes na comunidade local, que envolva e desenvolva múltiplas atividades laboratoriais, criativas, multimodais, poliédricas e pluridisciplinares, com o entusiasmo da exploração e da criação.
Recorrendo ao mais óbvio, porque facilita a ação, vou evocar um documento privilegiado, adoptado como bandeira, em vários municípios da região mas que, todavia permanece muito em devir.
Além do Plano Nacional das Artes, adoptado já por diversas escolas,
- Vários municípios do distrito de Santarém são subscritores da Rede Internacional das Cidades Educadoras.
Na Carta das Cidades Educadoras podemos ler:
De uma forma ou de outra, a cidade apresenta elementos importantes para uma educação integral: é um sistema complexo e, ao mesmo tempo, um agente educativo permanente, plural e poliédrico, capaz de potencializar os fatores educativos e de transformação social.
E continua: Na Cidade Educadora, a educação transcende as paredes da escola para impregnar toda a cidade. Uma educação para a cidadania, na qual todas as administrações assumem a sua responsabilidade na educação e na transformação da cidade num espaço de respeito pela vida e pela diversidade.
No ponto 4 da Carta das cidades educadoras, respeitante ao Acesso à cultura
A Cidade Educadora promoverá o direito à cultura e a participação de todas as pessoas, sobretudo dos grupos em situação de maior vulnerabilidade, na vida cultural da cidade como forma de inclusão, promovendo o sentimento de pertença e de boa coexistência. Para além da fruição dos bens culturais, esta participação cultural incluirá o contributo que todos os cidadãos podem dar para uma cultura viva e em mudança e o envolvimento da sociedade civil na gestão de equipamentos e iniciativas culturais. Por sua vez, a Cidade Educadora estimulará a educação artística, a criatividade e a inovação, promovendo e apoiando iniciativas culturais, tanto de vanguarda, como de cultura popular, como meio de desenvolvimento pessoal, social, cultural e económico.
E não é pouco.
Ora, constatando que região é marcada por um território marcadamente rural, obrigado a deslocações para acesso às instituições de ensino e de oferta cultural, esta recomendação fica apenas em condição de palavra se não for acompanhada por medidas conscientes, efectivas e mobilizadoras.
O envelhecimento crescente, a emigração e a imigração são também factores determinantes que afetam o organismo social da região caracterizado pelo desenraizamento e conformismo e resignação de uma população avessa a novidades, até porque os mais jovens, e por isso mais propensos à ousadia, acabam por se distanciar levando o conhecimento, a energia e o potencial para os países estrangeiros que oferecem possibilidades profissionais mais estimulantes.
Também a pandemia, o isolamento e a panaceia do digital, contrariam espaços de compromisso comunitário, essenciais para potenciar uma educação e uma cultura envolvente e independente, na persecução de uma cidadania ativa, quando nos referimos a compromissos com as instituições de poder local que desvirtuam a ousadia necessária à exploração cultural e artística, transversal às cartografias locais.
Afinal, a produção cultural quando é incondicional é também resistência. Por isso seria necessário criar estruturas regulares e independentes de apoio à cultura permitindo aos protagonistas culturais a sua construção de vida independente.
Por tudo isto é, meu entender, fundamental a localização do nosso tempo e gerar, mais do que ações, re-ações sociais, económicas, políticas educacionais e culturais, relevantes e com futuro dentro, colocando a fasquia no que é potenciador e não somente no que parece mais óbvio.
Isso obrigaria à missão de criar e garantir perspetivas de vida e criação para os mais jovens, de gerar condições necessárias para garantir a presença dos jovens no nosso país (com acesso à habitação, gratuitidade das creches, apoios à criatividade, etc.
A história já nos mostrou onde nos levam os partidos que se eternizam no poder, com décadas de descredibilização e desvalorização quer na educação, quer na cultura.
Graça Martins